Sabemos que os fatos espíritas existiram desde todos os tempos, mas os espíritas ingleses e americanos costumam indicar como data inicial do movimento espírita moderno o dia 31 de março de 1848, que assinala o episódio mediúnico na aldeia de Hydesville, Condado de Wayne, no Estado de Nova lorque. Em 11 de dezembro de 1847, passou a residir numa cabana simples e humilde de Hysdeville a família protestante Fox, composta do pai, John Fox, sua mulher Margareth e as filhas menores Margareth, de 14 anos, e Catherine (Kate Fox), de 11 anos. A cabana na qual moraram, antes deles, era ocupada pelos esposos Bell e sua criada Lucrécia Pelves.
Num primeiro momento os Fox não sentiram nada de estranho na casa, contudo, nos primeiros meses de 1848, ruídos insólitos começaram a se manifestar, incomodando os inquilinos. Eram batidas leves, sons que pareciam arranhões nas paredes, assoalhos e móveis, os quais poderiam ser naturalmente confundidos com sons naturais emitidos pelo vento, estalos da madeira e ratos. Tais ruídos foram aumentando de intensidade, as camas tremiam e se moviam a tal ponto que as filhas recusaram-se a dormir sozinhas no seu quarto, passando a dormir com os pais. No início não acreditavam que os barulhos pudessem ser consequência de uma causa “sobrenatural”, buscavam encontrar as causas mais comuns que pudessem justificar o fenômeno, mas foi em vão.
Na noite de 31 de março de 1848, quando os sons tornaram-se muito fortes, deu-se o episódio que ficou conhecido como o início do Espiritismo. Kate Fox, em sua ingenuidade natural de criança teve a ideia de desafiar a "força invisível" a repetir, com as batidas, as palmas que ela dava com as mãos. A resposta não se fez esperar, a cada palma de mão, um golpe era ouvido logo a seguir, provando que a origem dos sons era uma inteligência incorpórea.
Chegaram a conclusão de que aquela força podia ver e ouvir, pois até quando a filha dobrava o dedo sem fazer barulho o arranhão respondia corretamente com o número de batidas correspondente à numeração feita com os dedos. Descobriu-se que as batidas partiam do Espírito de um mascate, de nome Charles Rosma, que fora assassinado e sepultado no porão da casa da família Fox pelos antigos inquilinos, os Bell, por conta de quinhentos dólares, tendo sido assassinado com um golpe de faca na garganta. Para permitir uma melhor comunicação entre as médiuns e o Espírito do mascate, um dos presentes, o Sr. Isaac Post, teve a ideia de determinar para cada letra do alfabeto, um número de batidas correspondente, iniciando o que chamamos de telegrafia espiritual.
Vale transcrever alguns trechos do depoimento da Sra. Margareth Fox, contados por Sir Arthur Conan Doyle, na obra História do Espiritismo[1]:
Na noite de sexta-feira, 31 de março de 1848, resolvemos ir para a cama um pouco mais cedo e não nos deixamos perturbar pelos barulhos; íamos ter uma noite de repouso. Meu marido que aqui estava em todas as ocasiões, ouviu os ruídos e ajudou a pesquisar. Naquela noite fomos cedo para a cama - apenas escurecera. Achava-me tal alquebrada e com falta de repouso que quase me sentia doente. Meu marido não tinha ido para a cama quando ouvimos o primeiro ruído naquela noite. Eu apenas me havia deitado. A coisa começou como de costume. Eu distinguia de qualquer outro ruído jamais ouvido. As meninas, que dormiam em outra cama no quarto, ouviram as batidas e procuraram fazer ruídos semelhantes, estalando os dedos.
E continua a mãe, em seu depoimento:
Minha filha menor, Kate, disse, batendo palmas: "Senhor Pé Rachado, Faça o que eu faço." Imediatamente seguiu-se o som, com o mesmo número de palmadas. Quando ela parou, o som logo parou. Então Margareth disse brincando: "Agora faça exatamente como eu. Conte um, dois, três, quatro" e bateu palmas. Então os ruídos se produziram como antes. Ela teve medo de repetir o ensaio. Então Kate disse, na simplicidade infantil: "Oh! mamãe! eu já sei o que é. Amanhã é primeiro de abril e alguém quer nos pregar uma mentira. [...] Então pensei em fazer um teste que ninguém seria capaz de responder. Pedi que fossem indicadas as idades de meus filhos, sucessivamente. Instantaneamente foi dada a exata idade de cada um, fazendo pausa de um para outro, a fim de separar, até o sétimo, depois do que se fez uma pausa maior e três batidas mais fortes foram dadas, correspondendo a idade do menor, que havia morrido.
Então perguntou a Sra. Margareth:
É um ser humano que me responde tão corretamente? Não houve resposta. Perguntei: É um espírito? Se for, dê duas batidas. Duas batidas foram ouvidas assim que fiz o pedido. Então eu disse: Se for um espírito assassinado dê duas batidas. Essas foram dadas instantaneamente, produzindo um tremor na casa. Perguntei: Foi assassinado nesta casa? A resposta foi como a precedente. A pessoa que o assassinou ainda vive? Resposta idêntica, por duas batidas. Pelo mesmo processo verifiquei que fora um homem que o assassinaram nesta casa e os seus despojos enterrados na adega; que a família era constituída de esposa e cinco filhos, dois rapazes e três meninas, todos vivos ao tempo de sua morte, mas que depois a esposa morrera. Então perguntei: Continuará a bater se chamarmos os vizinhos para que também escutem? A resposta afirmativa foi alta.
No verão de 1848 escavaram a adega e encontraram tábuas, cal, cabelos humanos, utensílios do mascate e alguns ossos humanos, contudo material ainda insuficiente para uma eventual condenação. Cinquenta e seis anos mais tarde, em 1904, um jornal de Boston noticiava que o esqueleto do homem que se supunha ter produzido ruídos ouvidos pelas irmãs Fox, em 1848, havia sido encontrado na casa ocupada pela família e que, sem dúvida, comprovava a sinceridade na descoberta da comunicação dos espíritos.
Vários outros fenômenos ocorreram na família do Diácono Hale, de Greece, cidade vizinha de Rochester e em outras famílias de outras cidades, deixando evidente que não estavam ligados somente nas meninas Fox. Como outras provas do crime tem-se o depoimento de Lucretia Pulver, que serviu como empregada de Mr. e Mrs. Bell, ocupantes da casa quatro anos antes, informando ela que o mascate veio para a casa e ali passou a noite com as suas mercadorias, dizendo seus patrões que naquela noite podia ir para casa, afirmando:
Eu queria comprar apenas umas coisas do mascate, mas não tinha dinheiro comigo; ele disse que me procuraria em nossa casa na manhã seguinte e mas (sic) venderia. Nunca mais o vi... Uma noite, cerca de uma semana depois, Mrs. Bell (sic.) mandou-me à adega fechar a porta externa. Atravessando-a, caí perto do meio da adega. Pareceu- me desnivelada e cavada naquela parte. Quando subi, Mrs. Bell (sic.) me perguntou porque havia gritado e eu lhe disse. Riu-se de meu susto e disse que só ali é que os ratos tinham cavado o chão. Poucos dias depois Mr. Bell (sic.) carregou uma porção de entulho para a adega, exatamente à noite, e lá esteve trabalhando por algum tempo. Mrs. Bell (sic.) me disse que ele estava tapando os buracos dos ratos.[2]
Muitas vezes levantou-se a questão: qual o objetivo de tão estranho movimento naquela época especial? A resposta foi dada em duas ocasiões diferentes, em dois anos diversos e através de médiuns diversos. Em ambos os casos a resposta foi idêntica. A primeira dizia: "O para conduzir a humanidade em harmonia e para convencer os cépticos da imortalidade da alma"; e a segunda: "É para unir a humanidade e convencer as mentes cépticas da imortalidade da alma".[3] O barracão de Hydesville foi transferido por Benjamim F. Bartlett, em maio de 1916, para Lily Dale, a sede central regional dos Espíritas Americanos, em Nova York. Hoje, os ossos e o baú de ferro acham-se no museu, como registro do nascimento de uma nova história para a Humanidade.
Durante alguns anos as irmãs Fox fizeram sessões em Nova York e em outros lugares. Contudo, acabaram envolvidas com o vício do álcool e em caminhos degenerativos da mente e do caráter, mais por serem imaturas e inexperientes que ruins. Infelizmente não souberam perceber que o contato com os espíritos deveria ocorrer de maneira séria, com objetivos sadios e sem interesse material.
Por volta de 1888 estiveram envolvidas com ganhos monetários advindos de apresentações espíritas. Já debilitadas pelo alcoolismo, chegaram inclusive a alegar que os fenômenos não eram verdadeiros e mais tarde arrependeram-se por ter caluniado o Espiritismo, readmitindo a veracidade dos efeitos. As irmãs Fox desencarnaram em torno de 1892 e seu fim foi triste e obscuro.
A entrevista de Margareth Fox foi publicada na imprensa de Nova Iorque a 20 de novembro de 1889, cerca de um ano depois do escândalo, asseverando:
Praza a Deus’, — disse ela com voz trêmula de intensa excitação — ‘que eu possa desfazer a injustiça que fiz à causa do Espiritismo quando, sob intensa influência psicológica de pessoas inimigas dele, fiz declarações que não se baseiam nos fatos. Esta retratação e negação não parte apenas do meu próprio senso daquilo que é direito, como também do silencioso impulso dos Espíritos que usam o meu organismo, a despeito da hostilidade da horda traidora que prometeu riqueza e felicidade em troca de um ataque ao Espiritismo, e cujas esperançosas promessas foram tão falazes... ‘Muito antes que falasse a quem quer que fosse sobre este assunto, estava sendo incessantemente advertida por meu Espírito-Guia daquilo que devia fazer; por fim cheguei à conclusão de que era inútil contrariar as suas recomendações...[4]
A mediunidade das irmãs Fox era essencialmente de batidas, por vezes muito fortes, de luzes espirituais, de escrita direta, da aparência de mãos materializadas e, algumas vezes, de transporte. O Professor William Crookes, físico inglês, fez um inquérito sobre os poderes da médium (Kate Fox) e publicou uma sincera declaração (únicas pessoas presentes eram ele, sua senhora, uma parenta e Miss Fox), destacando que segurava as duas mãos da médium, enquanto seus pés estavam sobre os dele, havendo papel na mesa e um lápis na mão livre do Professor. Afirma que uma luminosa mão desceu do alto da sala, oscilou perto dele por alguns segundos, tomou o lápis da sua mão e escreveu rapidamente na folha de papel, após o que a mão ergueu-se sobre as cabeças e foi se dissolvendo gradativamente na escuridão. [5]
Pela história das irmãs Fox, podemos verificar que o médium não evangelizado e não educado para servir no bem ao próximo, sem interesse e com humildade, geralmente se atrapalha em suas próprias inferioridades, motivo pelo qual as pessoas e o médium, mais fortemente, precisam estudar e compreender a mediunidade para melhor desenvolverem as faculdades, realizando assim um trabalho mais eficiente em benefício da divulgação da Doutrina Espírita e da vivência do Evangelho de Jesus.
[1] DOYLE, Arthur Conan. História do Espiritismo. [s.l.]: L. Neilmoris, 2008. p. 55.
[2] DOYLE, Arthur Conan. História do Espiritismo. [s.l]: L. Neilmoris, 2008. p. 60.
[3] Portal do Espírito. História do Cristianismo. Disponível em: <https://bit.ly/2D6NhZn>. Acesso em: 9 jun. 2018.
[4] História do Espiritismo. A Carreira das Irmãs Fox. Disponível em: <https://bit.ly/2wnGEuN>. Acesso em: 8 jun. 2018.
[5] Federação Espírita do Paraná. Irmãs Fox. Disponível em: <https://bit.ly/2Nd9rK0>. Acesso em: 8 jun. 2018.