Não é simples definir Deus, mas tentaremos aqui buscar uma compreensão mais abrangente da ideia de Deus. Embora ainda nos seja difícil definir Deus como também provar a sua existência, temos condições de senti-Lo e de intui-Lo em nossa mente e em nossos corações.
Deus é um dos conceitos mais antigos e fecundos do patrimônio cultural da humanidade. Deriva do indo-europeu deiwos, resplandecente, luminoso, que designava originariamente os celestes, Sol, Lua, estrelas etc., por oposição aos humanos, terrestre por natureza.
A visão histórica mostra que vários conceitos de Deus, aceitos em um determinado período, foram sendo abandonados na medida em que deixaram de atender às expectativas das pessoas e de seus grupos sociais.
A antiga doutrina cristã afirma que Deus revelou-se aos antepassados do povo de Israel por meio das comunicações pessoais que lhes deram uma noção verdadeira, porém incompleta do Deus único, infinito e eterno. Posteriormente, no decurso de sua história, o povo alcançando gradualmente uma ideia mais adequada e estável acerca da natureza e dos atributos de Deus.
Todas as raças da Terra devem aos Judeus esse benefício sagrado que consiste na revelação do Deus único, Pai de todas as criaturas e Providência de todos os seres. A missão de Moisés foi tornar acessíveis ao sentimento popular as grandes lições que os demais iniciados eram compelidos a ocultar.
Deus, com o passar dos séculos, foi aos poucos deixando de ser um deus entre muitos deuses. Deixou de ser o Deus de um só povo, o que comandava os exércitos e esmagava seus inimigos. Deixou de ser o Deus imprevisível em suas ações, que a todos castigava. Deixou de ser o Deus que provocava medo e controlava a vida das pessoas. Deixou de ser o Deus de uma Igreja, refém de concepções doutrinárias e dogmáticas.
A verdade é que damos a Deus a extensão de nossa visão, é dizer, quanto mais primitivos formos, mais O associamos às coisas palpáveis, como trovão, tempestade, bosque etc. À medida que progredimos no campo da espiritualidade, damos-Lhe a conotação de energia, de criação, de infinito, de coisa indefinível.
Em "A Gênese" há as seguintes referências à natureza Divina:
"Não é dado ao homem sondar a natureza íntima de Deus. Para compreendê-lo, ainda nos falta o sentido próprio, que só se adquire por meio da completa depuração do Espírito."[1]
"A parte mais importante da revelação do Cristo, no sentido de fonte primária, de pedra angular de toda a sua doutrina, é o ponto de vista inteiramente novo sob que considera Ele a Divindade ... Um Deus clemente, soberanamente justo e bom, cheio de mansidão e misericórdia ... O Pai comum do gênero humano que estende a sua proteção por todos os seus filhos e os chama todos a si ...".[2]
Para o Espiritismo, Deus é o Criador do Universo. Portanto, admite a tese monoteísta. Faz-se mister compreendermos que Deus não está limitado à humanidade, ao planeta Terra ou à Via Láctea, Ele abrange todas as coisas, todos os seres vivos, inteligentes ou não, encarnados ou desencarnados do Universo, estende-se pelo Cosmo e o mantém organizado e ordenado. Para a Doutrina Espírita, o Universo é estruturado, as coisas não ocorrem ao acaso, havendo em tudo causalidade, inteligibilidade, significado e padrão.
Interessante que na pergunta número 01 de O Livro dos Espíritos, Kardec questiona: “Que é Deus?” e não “Quem é Deus?”, visto que seria uma pergunta a nos recordar a figura de um Deus antropormófico, visto ao molde do Antigo Testamento, como um homem de sumo poder e dotado das qualidades e defeitos dos outros homens, o que não faria sentido. É essa ideia que muitas pessoas rejeitam, um Deus vingativo, colérico, arbitrário, interessado em receber honras e homenagens, e fazendo questão de punir eternamente quem não O obedeça.
Conquanto ainda não nos seja possível uma definição completa de Deus, considerando ser nossa linguagem insuficiente para definir o que está acima da nossa inteligência e capacidade de compreensão, à pergunta de Kardec os Bons Espíritos, em várias partes do mundo, responderam: "Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”.[3] Acima de todas as inteligências que existem no Universo, está, portanto, a inteligência Divina, Ele criou tudo o que existe: o mundo material e o imaterial, os espíritos encarnados e desencarnados.
Em nosso relacionamento com Deus, muitas vezes acreditamos encontrá-Lo nos templos religiosos. Reflitamos. Se Deus é espírito, Ele está em todos os lugares, dentro e fora dos templos, por isso precisamos ser verdadeiros diante dos ensinamentos evangélicos, em todos os lugares, dentro e fora dos templos, no lar, no trabalho, na rua e no trânsito. Nos templos buscamos o entendimento e o fortalecimento para enfrentarmos os problemas, as dores, as aflições que apareçam em nossas vidas, mas não exatamente Deus.
Aspecto importante a ser mencionado é que Jesus não foi Deus encarnado. Em vários momentos Jesus deixou claro que ele não era Deus, como por exemplo em seu momento final na Terra, quando disse: “Pai, nas tuas mãos entrego meu Espírito.” Mesmo após a sua morte e ressurgimento espiritual, Jesus continua a demonstrar, com suas palavras, que permanece a dualidade e desigualdade entre ele e Deus: "Subo para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus."[4]
Após a vinda de Jesus, uma nova ideia de Deus nos foi mostrada. Deus não castiga e nem julga cada ato das pessoas. Deus é amor. Deus faz leis que regem a vida universal e, para cada ato há uma consequência que vem naturalmente e automática, que é o que chamamos de Lei de Causa e Efeito. As leis divinas devem ser seguidas, mas quando transgredimos uma delas, sofremos as consequências. Não é Deus que castiga, apenas estamos sendo responsabilizados pela lei Dele, ou melhor, colhendo o que plantamos.
Muitos fieis questionam se nós veremos Deus após a desencarnação. Segundo afirmação de João em sua epístola, "Ninguém jamais viu a Deus”. E por que não? Porque "Deus é Espírito", assim ensinou Jesus à mulher samaritana.[5], e como tal não pode ser percebido pelos sentidos comuns e materiais. Não podemos ver Deus com os olhos do corpo.
Na pergunta número 10 de O Livro dos Espíritos, Kardec questiona se ”o homem pode compreender a natureza íntima de Deus?” Os Espíritos respondem “Não. Falta-lhe, para tanto, um sentido.”[6] Embora nos seja invisível, Deus não nos é totalmente desconhecido. Não se mostra aos olhos do corpo, contudo se faz evidente ante nossa compreensão por todas as suas obras (a Criação) e podemos senti-Lo espiritualmente, nas vibrações do seu infinito amor. Encontramos Deus em nossa experiência mais íntima, quando nos dirigirmos a Deus com humildade e simplicidade de coração, com o bom ânimo de atender primeiramente à Sua vontade e não à nossa.
Os Espíritos superiores dizem que a visão de Deus constitui prerrogativa das mais purificadas almas, e que bem poucas, ao deixarem o envoltório terrestre, encontram-se no grau de desmaterialização necessário a tal efeito. Quanto mais desenvolvermos nosso conhecimento e sensibilidade espiritual, mais "veremos" a Deus, percebendo, entendendo e sentindo sua Divina presença e ação em tudo o que existe. "Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus."[7]
[1] KARDEC, Allan. A Gênese. Brasília. FEB. Cap.21, item 8.
[2] Ibidem. Cap. 1, item 23.
[3] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Brasília. FEB. Cap. 1. Deus. Questão 01.
[4] Bíblia. Jo, 20:17.
[5] Bíblia. Jo, 4:24.
[6] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Brasília. FEB. Cap. 1. Deus. Questão 10.
[7] Jesus. Bíblia. Mt, 5:8.